Marco Legal do Setor Elétrico: inovações importantes
Recentemente, o Congresso, a partir da Medida Provisória 1.304, aprovou mudanças significativas no marco legal do setor elétrico. Este importante segmento da economia é um dos mais complexos e, por isso, requer ampla regulamentação para funcionar da forma mais equilibrada possível — algo necessário, pois a energia é o insumo que impacta a vida de todos, empresas e consumidores residenciais.
Os agentes econômicos desse setor — geradores de energia, transmissores, distribuidores e consumidores — atualmente interagem em dois ambientes de compra e venda de energia: o regulado e o livre. O Ambiente de Contratação Regulada (ACR) é conhecido de todos, pois é visível por meio da concessionária de energia da nossa região, que opera com tarifas definidas pela ANEEL e, de forma aproximada, atende aos consumidores de menor porte. Já no Ambiente de Contratação Livre (ACL), os contratos são negociados livremente, tendo como órgão apoiador a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) — que terá nova configuração, para abranger energias como um todo e não apenas a elétrica.
As mudanças se tornaram necessárias para ajustar o setor, uma vez que sua infraestrutura passou a sofrer forte impacto com o crescimento da geração de energia solar — valendo citar os mais de 3 milhões de imóveis que instalaram placas solares — e eólica. Além disso, a abertura do ACL para todos os consumidores era uma meta em pauta.
E quais foram as principais mudanças que afetarão a grande maioria dos consumidores? Vamos nos concentrar nesta resposta, deixando para outra oportunidade comentar as demais alterações relevantes.
A mudança mais emblemática refere-se à extinção dos descontos de 50% nas tarifas de uso do sistema de distribuição e transmissão (TUSD e TUST), aplicados para compradores do Ambiente de Contratação Livre. Na prática, funcionou como um incentivo fiscal que será extinto para novos contratos registrados após 31 de dezembro de 2025. A partir dessa data, apenas contratos formalizados e validados junto à CCEE até o fim de 2025 continuarão usufruindo do desconto de 50% durante a vigência do instrumento contratual original.
Esse incentivo fiscal para a produção da chamada energia incentivada — eólica, solar, biomassa — era compensado por recursos da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), financiada por adicionais incluídos na conta de energia. O incentivo, de fato, promoveu um crescimento expressivo dos geradores de energia limpa (inclusive residenciais). Contudo, trouxe consequências:
• essas fontes de energia são intermitentes, o que gera risco de desequilíbrio para o sistema; para mitigar esse risco, a geração hidráulica precisava ser reduzida nos períodos de maior entrega de energia incentivada, levando o grande grupo de geradoras hidráulicas a pressionar por compensação financeira devido às reduções eventuais em seus faturamentos;
• os acréscimos nas contas de energia, destinados a compensar o incentivo fiscal, alcançaram um nível muito oneroso para o consumidor.
O mercado de gás natural também sofreu reformas importantes ao estabelecer as condições para comercialização do gás da União e ampliar as possibilidades de transferência de titularidade à iniciativa privada, especialmente nos contratos conduzidos pela Petrobras e pela PPSA (Pré-Sal Petróleo S.A.). O critério de acesso à infraestrutura de processamento e transporte passa a ser baseado em parâmetros técnicos e econômicos submetidos ao Conselho Nacional de Política Energética. A proposta incentiva a competitividade e deve beneficiar indústrias intensivas nesse insumo, como as de fertilizantes e a petroquímica.
A reforma contempla ainda a universalização do Ambiente de Contratação Livre, por meio de uma abertura gradual em que todos os consumidores de energia de média e alta tensão poderão migrar do mercado regulado para o ACL em até 24 meses após a sanção da lei; consumidores residenciais e de baixa tensão terão essa possibilidade em 36 meses. Encargos como o Supridor de Última Instância (SUI), a CDE para Geração Distribuída (CDE-GD) e o Encargo de Sobrecontratação passam a ser compartilhados entre consumidores livres e regulados.
Implicações setoriais, críticas e perspectivas
O conjunto de alterações promovidas pelo novo marco legal define o início de um novo momento no setor elétrico brasileiro ao retirar os descontos tarifários para novos contratos no mercado livre. O governo promove modificações com a intenção de aumentar a competitividade e reduzir distorções que oneravam os consumidores do mercado regulado — isto é, todos que compram energia da concessionária regional.
Entretanto, mudanças dessa magnitude sempre geram críticas, e neste caso não é diferente. Há preocupação entre os atores do setor de que essas alterações venham acompanhadas de risco de aumento de custos ao consumidor, insegurança jurídica, possibilidade de judicialização, riscos ambientais, retrocessos na transição energética e, com o novo desenho da CDE, potencial distorção de incentivos, além da ausência de solução estrutural para problemas antigos.
Ao mesmo tempo, a medida exige reorganização dos modelos de negócio de comercializadores, consumidores corporativos e pequenos produtores — o que pode gerar aumento temporário nos custos para novos entrantes no ACL após 2025. A fixação de um teto para a CDE e a introdução de instrumentos de rateio apontam para o fortalecimento da sustentabilidade do setor, com proteção a segmentos mais vulneráveis, como os consumidores de baixa renda. As novas regras para contratação de PCHs, o incentivo ao armazenamento de energia e a abertura do mercado de gás natural tendem a dinamizar investimentos e ampliar a segurança energética de longo prazo.
Apesar das incertezas deste processo de transição, o novo marco representa um passo importante rumo à maturidade do setor elétrico, à modernização regulatória, à equidade tarifária e à sustentabilidade do desenvolvimento energético brasileiro.
Anderson Azevedo Fraga é Master em Arquitetura e Urbanismo e especialista em Eficiência Energética das Edificações; Pesquisador Associado ao Instituto Arandu.
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